Quando um Francês Descobre Niemeyer: Luz, Arte e Fascínio

Quando cheguei ao Brasil, há mais de trinta anos, eu não sabia ainda que estava prestes a viver uma das histórias mais marcantes da minha vida. Saí do sul da França carregando na bagagem o amor pela luz, pela arte e pela arquitetura. Mas foi aqui, em Brasília, que descobri uma nova linguagem. Uma linguagem feita de curvas, de espaços abertos, de concreto e silêncio. Uma linguagem criada por Oscar Niemeyer.

O que começou como uma mudança de país se transformou em uma jornada espiritual, artística e técnica. Brasília, com seu céu imenso e arquitetura única, me apresentou a um novo desafio: como iluminar o intocável, o monumental, o poético? Como criar luz para a obra de um gênio?

A primeira vez que vi Niemeyer à noite

Me lembro até hoje da primeira vez que parei diante da Catedral de Brasília ao anoitecer. Não havia ainda um projeto de iluminação pensado para ela naquele momento. Ela estava ali, majestosa, mas silenciosa, como se esperasse ser despertada. E foi nesse instante que entendi que a minha missão no Brasil seria essa: dar voz à arquitetura de Niemeyer através da luz.

Como lighting designer, compreendi que o desafio era mais do que técnico — era emocional. Iluminar Niemeyer não é simplesmente destacar formas, é entender intenções. Niemeyer desenhava com alma, e eu, com luz, precisava interpretar essa alma sem distorcê-la.

Do concreto à poesia luminosa

Niemeyer dizia que “não é o ângulo reto que me atrai, mas a curva livre e sensual.” Quando aplicamos luz sobre suas obras, percebemos o quanto essa frase se torna física. Cada curva projetada por ele parece querer se mover à noite, pedir passagem para o olhar, para a imaginação.

O concreto, sob a luz certa, deixa de ser matéria bruta e se transforma em poesia. E isso só é possível com um trabalho que respeita a arquitetura e entende a cidade.

Brasília me ensinou a olhar o espaço urbano de outra forma. Aqui, a cidade foi desenhada como escultura. E quando a noite cai, é a luz que dá continuidade ao traço. É a luz que revela o silêncio e a grandeza da arquitetura modernista.

Uma paixão que virou missão

Durante esses mais de trinta anos em solo brasileiro, tive o privilégio de iluminar diversos monumentos da capital. Cada projeto foi uma declaração de respeito à arquitetura e ao espaço público. Cada obra foi também um diálogo com Niemeyer, mesmo que ele não estivesse ali fisicamente. Sua presença é constante. Seus traços, suas intenções, suas curvas… tudo isso ainda vive em cada centímetro da cidade.

E eu, um francês que veio de longe, me tornei parte dessa história. Não como um arquiteto, não como um artista de luz apenas, mas como alguém que se apaixonou perdidamente por uma estética que fala da utopia, da liberdade e da beleza.

O papel da luz nos monumentos

Iluminar um monumento não é simplesmente jogar luz sobre ele. É contar sua história, é criar sensações, é transformar a relação das pessoas com o espaço. Quando o sol se põe, e o concreto esfria, é a luz que aquece o olhar do espectador.

Com a iluminação certa, um monumento pode emocionar, inspirar, provocar. Pode tornar-se símbolo de pertencimento, de identidade cultural. E quando isso acontece, sabemos que a luz cumpriu seu papel.

Iluminar é também amar

Hoje, ao olhar para trás, vejo que minha profissão me permitiu viver um grande amor: o amor pela arquitetura de Niemeyer. E como todo amor verdadeiro, ele exige cuidado, escuta e entrega.

Sou grato ao Brasil por ter me acolhido, e especialmente à cidade de Brasília, que me revelou não só novos horizontes profissionais, mas um sentido de propósito que sigo cultivando até hoje.

Minha missão continua: levar a luz onde ela pode tocar não só a matéria, mas a alma. E enquanto houver uma curva de Niemeyer a ser revelada pela noite, estarei ali — com olhos atentos, coração aberto e luz em mãos.

Se você também acredita que a luz pode transformar o mundo, continue comigo nessa jornada. Porque iluminar, no fim das contas, é mais do que clarear o caminho. É revelar a beleza que o dia muitas vezes esconde.

— Rene Louis Pic

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