Marília, a Valquíria do Cerrado

Diz a lenda antiga, entre runas esquecidas e encantamentos sussurrados ao vento, que nem todas as Valquírias vieram do gelo e das tempestades. Houve uma que nasceu sob o céu dourado de Minas Gerais , entre montanhas serenas, onde o silêncio tem cheiro de café coado e o tempo corre devagar, como rio entre pedras.

Ela se chamava Marília, filha da terra e do trovão. Seus cabelos escuros desciam como cascatas sobre os ombros, e seus olhos, tão intensos quanto o céu antes da chuva, guardavam os segredos de Asgard e as histórias do sertão.

Mas Marília não era uma valquíria qualquer.

Segundo os bardos celestiais, valquírias eram virgens guerreiras, cavalgando javalis, lobos ou cavalos selvagens, armadas com lanças reluzentes e elmos prateados. Tinham a missão sagrada de proteger Odin, o pai de todos os deuses, e de "escolher os mortos" no campo de batalha — levando os mais bravos para o salão dos heróis.

Marília, porém, escolhia os vivos.

Ela caminhava entre os que ainda respiravam, lutando para que não morressem por dentro. Sua lança era a palavra, sua armadura era feita de coragem. No lugar do lobo, ela montava um trem de ferro mineiro, cruzando vales e cidades, levando sabedoria onde antes havia só dúvida.

O Encontro com o Arcanjo

O Arcanjo Gabriel, enviado do Alto, ouviu falar da guerreira que encantava com firmeza e ternura. Não era uma anunciação que ele faria — era uma missão mais delicada: conhecê-la.

Quando a viu pela primeira vez, no topo de uma montanha onde o cerrado se encontra com o céu, ficou em silêncio. Marília não se assustou com suas asas, nem com o brilho do céu que ele trazia nos olhos. Ela apenas disse:

— “Você veio buscar alguém, ou veio aprender algo?”

Gabriel sorriu. Pela primeira vez em milênios, ele não tinha uma resposta pronta. Ele a viu ensinar finanças como quem ensina a manejar espada, aconselhar jovens como quem cuida de feridas de guerra, e ainda assim rir, com o mesmo riso das cachoeiras escondidas de Minas.

Ela era nórdica pela alma, mineira pelo coração . Selvagem como as valquírias dos antigos, mas doce como pão de queijo ao entardecer.

O Encanto

Gabriel tentou fotografá-la — não com sua câmera, mas com o olhar que tudo grava. Mas ela mudava o tempo todo: ora guerreira, ora mestra, ora flor.

E então ele entendeu: ela não veio escolher os mortos, como as valquírias antigas.
Ela veio ensinar os vivos a escolher a vida.

Marília não protege Odin.
Ela protege os sonhos.

E quem a vê, jamais a esquece.

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